Artigo publicado no Caderno Opinião – Jornal do Brasil.
O analfabetismo possui vários perfis conforme o grau de incapacidade para a leitura e a escritura. O primeiro é o do analfabeto, desprovido dos conhecimentos necessários para ler e escrever. O outro é o chamado analfabeto funcional, despreparado para entender conteúdos que não estejam estritamente relacionados com sua função. Além desses, tem-se observado o surgimento de um outro tipo, o dos alfabetizados cuja leitura é precária. Não se está falando do iletrado, de cultura literária pobre por falta de leitura, mas daquele que, mesmo sabendo ler plenamente, não consegue compreender o que lê. Esta situação é denominada iletrismo – um dano relacionado à compreensão, em que há a aptidão para a leitura, mas incapacidade para o seu entendimento. Isso acaba repercutindo no domínio da própria língua.
Tal fenômeno, que atinge todas as classes sociais, tem sido observado em diversos países, já sendo estudado na França e na Suíça. A razão encontrada deve-se a fatores distintos: o número crescente de estrangeiros residentes nesses países; e o emprego, nos últimos anos, de métodos pedagógicos que não se mostraram eficazes. Para o mesmo fenômeno, no Brasil, a causa apontada é o empobrecimento conjunto da população e dos sistemas educacionais. Em pleno século 21, observa-se um retrocesso. Pela falta de uma base educacional mínima e consistente, que deveria ser garantida pelo Estado, há um retorno aos tempos medievais.
Até a Idade Média, a escrita e a leitura eram um bem exclusivo das elites. A ruptura desse domínio deu-se gradativamente na Renascença, com a difusão da impressão tipográfica. Desde então, muito se fez para que mais e mais pessoas compartilhassem do conhecimento escrito, para que pudessem estar habilitadas ao mundo infinito do ler, do compreender, do saber e do ser. Afinal, se não sei ler, não há o que compreender. Se não compreendo, o que posso saber? E sem saber, que pessoa poderei ser?
A sociedade mobilizou-se. No Brasil, assistimos à busca de soluções pelo caminho da cidadania, onde os leigos se inserem como voluntários na escola para dar apoio. Os jornais lançam encartes com dicas de português, redigidos de modo a esclarecer as regras gramaticais para um público eclético. As escolas e institutos privados passaram a oferecer formações adicionais com o intuito de repor aquilo que as anteriores não proporcionaram. As empresas passaram a desempenhar o papel de educadoras, tentando suprir deficiências do banco escolar.
Na educação corporativa foi empregado o e-learning (aprendizado on-line), que responde bem num cenário de educação para muitos. Se, aparentemente, a carência de capacitação foi remediada, surge uma grande contradição: o e-learning está calcado fundamentalmente sobre a leitura. Uma leitura que deve ser feita contra o tempo, entre tarefas que se acumulam em torno do terminal de trabalho, entre ligações telefônicas e seus pares – os e-mails.
Para acompanhar as mudanças tecnológicas do mercado, os cursos on-line precisam ser realizados de forma ágil. Daí resulta a importância da qualidade de um texto conciso, bem redigido. O que se pode esperar de uma leitura efetuada sobre um conteúdo inconsistente? Contudo, por mais bem formulado que esteja um texto, ele precisa ser lido em todas as suas letras. Em função de cada necessidade, o tempo de leitura difere. A leitura que busca a informação pode ser rápida, frenética; a do entretenimento pode ser dinâmica, veloz, mas a leitura que propicia o conhecimento requer atenção, concentração. A pressa constante acaba por impor uma superficialidade que favorece o surgimento das situações de iletrismo.
Com isso não só o problema de leitura fica agravado, mas da exclusão digital também, já que a informação não está apenas oculta atrás da tela do computador, e sim atrás das palavras. Paradoxalmente, quem deveria revelar é quem esconde. Ampliando esta situação para o dia-a-dia, à proporção que o ser humano se deixa levar pelo estresse quotidiano, está alimentando formas caóticas de compreensão do mundo, seja pela leitura, seja pela análise. Formas que lesam, em diferentes graus, sua atuação como indivíduo.
Publicado no Jornal do Brasil – Rio de Janeiro, 05/07/2005